MANIFESTAÇÃO RELIGIOSA DA IGREJA CATÓLICA: A FESTA DE SÃO TIAGO NO MUNICÍPIO DE MAZAGÃO VELHO – AP

Ione Vilhena Cabral
Tatiane da Silva Cardoso
Roberto Carlos Amanajás Pena

2.1 O CARÁTER SAGRADO E PROFANO DA FESTA DE SÃO TIAGO

Retomando nossa questão inicial, a festa de São Tiago, assim como todas as manifestações religiosas, também apresenta o seu caráter sagrado e profano. A festa de São Tiago se encaixa no que Brandão (1989), diz sobre os festejos dos povoados do interior. Segundo o autor:

“Algumas cidades comemoram com mais ênfase certos acontecimentos e situações, enquanto outras o deixam em segundo plano e dão mais importância a outros. Nas cidades médias e grandes as festas cívicas, históricas e profanas conquistam um lugar de crescente importância, enquanto nas pequenas cidades e nos povoados do interior elas ocupam um segundo plano, e os festejos locais e religiosos povoam quase todo o calendário” (BRANDÃO: 1989: 07).

Sendo assim, a festa de São Tiago se divide em duas partes: primeiro é a parte religiosa, que engloba novena, ladainha, missa e procissão; e a segunda se dá nas ruas, nas praças e nos barracões é a profana. A estrutura da festa se dá com barraquinhas de venda de alimentos e objetos, que são montadas por toda a extensão do vilarejo, além dos restaurantes fixos e barracões que já possuem a sua localização própria na comunidade. Dessa forma, temos o devoto católico que, após resolver suas contas com o sagrado, entrega-se aos jogos da sedução. A parte profana da festa é indispensável, pois ela é uma bricolagem de ritos, folguedos e festejos de devoção que resulta, segundo o autor citado, na diversão dos devotos, ou seja, uma não vive sem a outra.
Apesar da festa de São Tiago abranger tanto o caráter sagrado quanto o profano, verificou-se que 59% da comunidade, ou seja, mais da metade da população de Mazagão Velho, participa apenas do caráter sagrado (parte religiosa) da festa, 11% somente, freqüentam as festas profanas e 30% dos entrevistados participam tanto do caráter sagrado quanto do profano. Assim, para os moradores de Mazagão Velho, a festa de São Tiago é extremamente importante, principalmente porque a religião que seguem é a católica, portanto, adorar os santos Tiago e Jorge, para eles, significa “amar a Deus”, o que faz parte de sua crença. Verifiquemos as ilustrações abaixo, onde a esquerda temos os devotos de São Tiago prestigiando o caráter sagrado da festa e a direita temos a igreja de Nossa Senhora da Assunção.  

Foto 17: Devotos agradecendo a São Tiago.      

Foto 18: Igreja de NSA da Assunção.                      

A partir desse caráter sagrado que observa-se na comunidade de Mazagão Velho, os devotos de São Tiago sempre procuram agradecer as promessas alcançadas através de missas que assistem na igreja principal da cidade. Vejamos o seguinte quadro que mostra a participação dos moradores nos caracteres sagrado e profano:

Quadro 05: Participação dos entrevistados na festa de São Tiago.

Participação

Quantidade

%

Sagrado

27

59

Profano

05

11

Os dois

14

30

Total

46

100

Fonte: Pesquisa de Campo realizada em 07 e 09/2006, no município de Mazagão Velho, AP.

Para a comunidade o momento religioso da festa já é tradição, pois nesse período as pessoas ficam mais unidas, o laço de solidariedade aumenta e elas passam a freqüentar mais a igreja. Além da participação em massa da comunidade, ainda temos a presença de pessoas de outras localidades que se deslocam até o município com o objetivo de pagar suas promessas. De acordo com a pesquisa realizadas na comunidade, observou-se que no dia 25 de julho, após o encerramento das encenações das batalhas, várias pessoas se dirigiram até a igreja de Nossa Senhora da Assunção para pagar suas promessas, onde duas pessoas entraram, desde as escadarias até o altar da igreja onde ficam os santos, de joelhos e lá deixaram várias fitas e rezaram em agradecimento a São Tiago pelas vitórias e milagres alcançados. Além das fitas, as pessoas, segundo informação dos moradores, costumam deixar uma boa quantia em dinheiro aos santos, que seria o pagamento do dízimo. Conforme mostra o relato de dona Araci:

“É boa à presença deles aqui na comunidade, dão força para vender as coisas religiosas dos santos, comidas e ainda deixam dinheiro ao santo, muitas fitas de toda cor, deixam dinheiro na comunidade, ocupam o restaurante para comprar nossas comidas” (Araci Barriga da Câmara, 55 anos, entrevistada em 13/09/2006).

Notadamente, para os moradores de Mazagão Velho, a questão religiosa é muito forte e marcante, pois desde que nascem já são ensinados a participar das encenações das batalhas e da importância que o cristianismo tem para suas vidas, já que para eles “a religiosidade e a fé é que encaminham as pessoas a seguirem o caminho do bem”.
Assim, em consonância com o caráter sagrado, temos o lado profano da festa que ocorre logo após as novenas e ladainhas; em virtude disso, na comunidade apesar da maioria não participar deste último, acreditam que, assim como existe o sagrado, o profano também faz parte da tradição da festa.
Dessa forma, esse fato, de que o profano e o sagrado fazem parte da tradição da festa, é relatado pelos moradores da comunidade, mas também é abordado por Van Gennep (1978), pois para o autor, o mundo sagrado e profano andam sempre juntos, um não vive sem o outro, já que não pode existir um mundo totalmente absoluto, ou seja, não é possível o individuo viver somente para a religião, é necessário haver também o lado da diversão, do lazer, da animação, entre outros aspectos. De acordo com o autor:

“A vida individual, qualquer que seja o tipo de sociedade consiste em passar sucessivamente de uma idade a outra e de uma ocupação a outra. Nos lugares em que as idades são separadas, e também as ocupações, esta passagem é acompanhada por atos especiais, que, por exemplo, constituem para os nossos ofícios a aprendizagem, e que entre os semicivilizados consistem em cerimônias, porque entre eles nenhum ato é absolutamente independente do sagrado. Toda alteração na situação de um individuo implica ai ações e reações entre o profano e sagrado” (Van Gennep: 1978: 26).

Para o autor, existe entre esses caracteres, sagrado e profano, um estágio intermediário que seria a preparação destes antes da festa religiosa e profana. Ou seja, antes de iniciar o ato religioso a comunidade se organiza para ornamentação da igreja, das ruas, além disso, temos as pessoas que vem de fora e não conhecem o vilarejo, assim, antes do início das programações elas aproveitam para visitar os pontos principais da comunidade. Então, quando começa o caráter sagrado, as pessoas mergulham numa espécie de transe e/ou êxtase e dedicam aquele tempo somente para o ato religioso e só depois de terminado esses rituais é que os moradores atualizam o lado profano da festa, como os bailes, festas de bregas, etc. 
Assim, de acordo com a pesquisa realizada in loco, Mazagão Velho é um município pequeno, possui uma economia de subsistência e, portanto, não existindo na comunidade hotéis que possam abrigar um número expressivo de visitantes no período desta manifestação, então, muitas pessoas acabam ficando alojadas nas casas dos parentes. Mas, a uma parte da população que não possuem conhecidos e ficam durante o dia no balneário e passam a noite nas festas. A figura abaixo mostra o balneário de Mazagão Velho, onde as pessoas passam o dia, banhado pelo rio Mutuacá.

Foto 19: Rio Mutuacá no município de Mazagão Velho.

Vejamos o depoimento de Dona Maria sobre assunto:

“As festas profanas têm que ter pelo povo que vem de fora e não pode se hospedar, porque não tem casa para eles ficarem de dia e de noite, então, de dia passam tomando banho no rio, o prefeito, esse ano, até deu uma ajeitadinha lá, para as pessoas ficarem e as festas de noite animam eles até o dia amanhecer” (Maria Piedade Queirós de Jesus, 53 anos, natural de Mazagão Velho).

É interessante ressaltar, ainda, que, assim como o caráter sagrado atrai muitas pessoas de outras localidades que vão até a comunidade com o objetivo somente de participar das missas, do círio, temos também aquelas que vão para participar das festas profanas, atraindo bastantes pessoas. Esse fato gera muitos benefícios para a comunidade e para a igreja, pois arrecadam dinheiro com a venda de alimentos nos restaurantes e de artigos religiosos.
Além desses aspectos, é importante salientar que as festas profanas só iniciam quando terminam todas as atividades religiosas. Visto que a comunidade entende que é necessário ter esta outra festa, mas os mais antigos acreditam que “a geração de hoje não se interessa mais pelo batuque da terra, os jovens só participam se bandas locais se apresentarem na comunidade”. Diante desse fato, temos, ainda que muitos jovens, após o término da missa, vão para baixo das arvores se “agarrar” e/ou namorar fato que muitos católicos fervorosos condenam e acreditam ser pecado. Como diz a Sra. Maria Zilda:

“Eles esperam terminar a parte religiosa para ir pra debaixo das árvores se agarrar, é pecado isso que eles fazem” (Sra. Maria Zilda Cardoso dos Santos, 53 anos, entrevistada em 14/09/2006).

De acordo com o depoimento da Sra. Maria Zilda, percebemos que para ela os jovens daquela comunidade não têm interesse pela cultura local e participam das manifestações somente para participarem das festas profanas, com o intuito de namorar e se divertir. Mas, a maioria da população de Mazagão Velho acredita que as festas dançantes geram benefícios para a comunidade. Conforme se vê no seguinte quadro:

Quadro 06: Opinião dos entrevistados com relação às festas profanas.

Quantidade

%

Tem que ter as festas profanas, porque as pessoas que vem de fora não têm onde se hospedar e as festas os animam até de manhã.

 

20

43

Ela trás beneficio para a comunidade e a igreja

08

17

É tradição faz parte da festa

08

17

No profano tem muita confusão e a geração de hoje esta acabando com o batuque e o samba da terra

04

09

É pecado e os jovens deixam de ir para igreja para se agarrar embaixo das arvores

05

11

Não participa do profano

01

02

Total

46

100

Fonte: Pesquisa de Campo realizada em 07 e 09/2006, no município de Mazagão velho, AP.

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